O Mercado Público Municipal de Vacaria estava em festa. A cidade, localizada no Nordeste rio-grandense, celebrava seus 172 anos e, por isso, uma semana com eventos culturais gratuitos foi organizada para festejar a efeméride, além da Feira do Livro que acontecia no mesmo local. Gustavo Telles, atração agendada para a noite da última sexta-feira (28), acabara de lançar seu 5° álbum solo, "Hoje, aos 43". O show em Vacaria, cidade natal do músico (e onde voltou a residir após 23 anos), seria a primeira apresentação de divulgação do novo trabalho. Contudo, Telles e sua banda foram impedidos de tocar pela Prefeitura Municipal, apoiadora do evento.
Na parte da tarde, durante a passagem de som, o áudio do palco fora sumariamente cortado, supostamente por algum tipo de manifestação política dos músicos. No entanto, apesar do compositor possuir canções desse cunho, entre elas "Presidente Fascistão", lançada em single dias antes do primeiro turno das eleições, o tema estava fora da relação, assim como nenhuma canção de protesto fora programada para ser apresentado ao vivo. O setlist enviado para o ECAD no dia 19/10 comprova essa intenção, pois em conversa com a produtora do evento (e alertado por ela), Gustavo Telles resolveu tocar músicas que não abordassem o tema político. Foi quando, então, o artista e a produtora Juliana Tonini, foram avisados por intermédio de uma funcionária da Prefeitura, que a apresentação seria cancelada porque Telles havia cantado uma letra de viés político. Porém, a canção executada no sound-check não tratava desta temática. Um dos músicos da banda tinha na sua camisa um adesivo do então candidato à Presidência, hoje presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva e, por este outro motivo, segundo a funcionária, o show não ocorreria. De todo o modo, o músico retirou o adesivo da roupa e as tratativas e explicações de ambos os lados seguiram.
Assim, por cerca de 2h30, à espera de uma voz oficial da Prefeitura, a produtora do evento tentou revogar o cancelamento e entender as reais motivações do fato. Como não havia um documento determinando a suspensão do concerto, em torno das 20h30, Gustavo Telles & Os Escolhidos subiram ao palco do Mercado Público. Contudo, já na segunda música, a banda foi interrompida, pois, a pedido da Guarda Municipal, a produtora pediu para Telles parar o show . As duas canções executadas: "Hoje, aos 43" (música tocada na passagem de som e novamente durante o show) e "O tempo não vai nos afastar" tem respectivamente a memória afetiva do compositor por sua cidade natal e o amor como temáticas e enredo, sem nenhum tipo de conotação política. Após o incidente, a produtora Juliana Tonini fez um boletim de ocorrência.
Até esta terça-feira (1°) a Prefeitura Municipal de Vacaria não se pronunciou oficialmente sobre o cancelamento, mas, procurado pelo Memorabilia, Gilmar Boeira, Secretário Geral do município, falou sobre o ocorrido:
"A banda ensaiava uma música de protesto a um dos candidatos. Como estávamos num espaço público, no intuito de manter a integridade das pessoas, resolvemos cancelar o show. Aquele não era o lugar para se fazer política", disse o Secretário Geral do Município.
Segue abaixo um trecho da música apontada como canção de protesto por Boeira:
"Caminhei/ Como vou te explicar/ O que senti/ Pelas ruas que andei. Ontem um guri/ Hoje, aos 43/ Meu coração/ Balançou mais uma vez. Tudo o que vivi/ Permanece em mim/ Em quem me tornei/ E agora estou/ Onde comecei/ Reaprendendo a sentir/ E buscando paz.
Avancei/ Continuei a relembrar/ Reacendi/ Velha chama em meu olhar/ Hoje aceitei/ O que passou, o que virá/ Mais uma vez/ Deu vontade de sonhar. Tudo o que vivi/ Permanece em mim/ Em quem me tornei/ E agora estou/ Onde comecei/ Reaprendendo a sentir/ E buscando paz", diz a letra de "Hoje, aos 43".
"É importante ressaltar que não houve a mínima tentativa de diálogo conosco, seja com os músicos ou com a produtora do evento", afirma Gustavo Telles. "Um simples adesivo seria realmente o motivo para o cancelamento do show? O que percebo é que não queriam que eu tocasse, simplesmente por minhas convicções políticas, que, naquele momento, inclusive não seriam de forma alguma manifestadas no palco", reforça o músico vacariense. Juliana Tonini destaca o infortúnio deflagrado pelo cancelamento:
"Foi uma falta de respeito comigo, como promotora do evento, com os artistas que ali estavam, e com a população vacariense que compareceu aos shows. É um sentimento profundo de frustração e de censura. O mínimo que a Prefeitura deveria fazer era pedir desculpas a todos os envolvidos, além de revelar o real motivo dessa atitude. Estamos esperando um pronunciamento oficial e até agora ninguém nos esclareceu nada", disse ao Memorabilia a produtora cultural.
Postado por Márcio Grings